Fonte: Jornal da USP
A literatura está nos mostrando que os sistemas
políticos em muitos países Ocidentais estão sujeitos às rupturas populistas
autoritárias, vistas como um populismo político anticonstitucional, com ameaças
à democracia, mesmo tratado de forma restrita. Não poderemos entender o
presente sem o conhecimento do absolutismo histórico e os interesses dominantes
do passado, voltados para a sujeição humana.
Recentemente o Brasil foi vítima de uma ruptura,
representada pelo populismo político virulento, trazendo sérias ameaças à
democracia e severo risco existencial das mudanças climáticas, com o incentivo
às queimadas e desmatamento, privilegiando as grandes corporações em detrimento
da vida humana, além do reconhecido empobrecimento da população.
Contudo, as rupturas devem ser vistas além do político, considerando
três campos institucionais adicionais, conforme a literatura, que envolvem:
preocupações teológicas sobre a natureza da Divindade, principalmente na Igreja
Católica, as controvérsias generalizadas tanto do Estado de Mercado quanto do
Mercado e as intrusões da Tecnologia, principalmente da Inteligência Artificial
generativa, que tem a “capacidade de tirar a construção da realidade de nossas
mãos”.
É afirmado que o “complexo de dinâmicas”, assim
chamado, oriundo dos campos institucionais acima citados, é considerado falho e
obscuro, mas moldou a história do Ocidente desde a sua criação e que permanece
ativo até hoje e nos traz dificuldades de se compreender o presente.
Mas só através deste complexo de dinâmicas podemos
explicar as rupturas atuais em diversos campos como o populismo político, o
fracasso do liberalismo e a Inteligência Artificial. Finalmente, como funcionou esse complexo de
dinâmicas obscuro ao longo do tempo histórico, responsável pela sujeição humana?
Apesar das contradições do populismo político,
absolutismo e democracia, há quem questione se o populismo político é
necessariamente algo ruim e se pode melhorar ou prejudicar a democracia liberal
e o constitucionalismo. Existem muitas visões no discurso público sobre estas
questões.
Já foi dito que a causa do surgimento desses
movimentos reside na incapacidade das jurisdições liberais, tanto na Europa
quanto nos Estados Unidos, de sustentar os valores liberais de forma
significativa. As desigualdades aumentaram, a sonegação fiscal é generalizada e
as reduções nos gastos sociais tiveram um impacto significativo.
De fato, a democracia tornou-se oligárquica e o
Congresso Nacional é um exemplo típico disto, dificilmente decidindo por uma
política pública em benefício da sociedade. Além disto, a elevada corrupção na
instituição, a exemplo do orçamento secreto, leva o eleitorado dos partidos
tradicionais a apoiar partidos populistas e líderes demagógicos.
Espera-se que no Brasil o campo do Constitucionalismo, seus tribunais
e o Estado de Direito continuem sendo ingredientes essenciais para uma
existência civilizada, como defendido e promovido, há poucos dias, pelo
Ministro Alexandre de Moraes, ao refutar o ativismo populista da extrema
direita que avança no mundo.
Estamos vendo em outros países o quanto estas
instituições estão sendo minadas pelo ativismo populista, revelando suas
fragilidades irrefutáveis e cooptação aos interesses de ideologias das elites,
através de intervenções arbitrárias, que reforçam os interesses dominantes e a
sujeição humana.
Recentemente, o Jornal The Guardian publicou matéria
em que o diretor do Laboratório do Estado de Direito da Universidade de Nova
York, Amrit Singh, faz os seguintes comentários sobre a Suprema Corte
americana: “A Suprema Corte é a guardiã máxima do Estado de Direito e parece
ter abdicado desse papel”. Continuou ele: “A Suprema Corte indicou claramente
que está disposta a tolerar a violação de ordens judiciais federais pelo
governo Trump.”
Temos que reconhecer que a Suprema Corte de Justiça
brasileira, apesar de seu histórico de falhas, nos últimos tempos vem
defendendo e votando matérias que visam aliviar a sujeição humana, a exemplo do
Marco Temporal, na tentativa de reforçar os valores do Estado de Direito,
contrariando interesses das elites e corporações.
Argumenta-se que o populismo político que emergiu para
desafiar o Estado elitista, global, pluralista e liberal democrático está
enraizado na tentativa de estabelecer uma versão reconfigurada da versão de
meados do século XX do Estado hobbesiano absolutista, justamente no momento em
que seu sucessor neoliberal já havia fracassado. O populismo está querendo manter
um romance de um passado perverso, que está desaparecendo.
Em suma, as atuais abordagens do populismo político
precisam ser vistas de uma forma muito mais ampla. Uma maneira preferencial de
analisar esse cenário do Estado é que o populismo político é um retorno à
crença na segurança disponível por meio da dinâmica central do medo, dominação,
reivindicação e sujeição.
Daí ser necessário uma base ética para o
Constitucionalismo e para o Direito em geral implicado em rupturas, dando
origem a uma literatura de análise forense das causas profundas destas
perturbações, fornecendo ideias para se enfrentar tantos desafios.
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